Escrevi na semana passado sobre meu pai e o que ele representa em minha vida. Não poderia deixar de escrever sobre minha mãe.
Ruth Tinoco da Costa nasceu em Natividade-RJ, em 18 de junho de 1926. Tem hoje 82 anos. Forte e decidida, esteve ao lado de meu pai por 61 anos.
Esteve sempre muito presente em nossas vidas e não dormia enquanto não chegavam à casa, todos os filhos.
Ela reside comigo e conviver com ela é um aprendizado diário. Precisa de apoio para caminhar e passa a maior parte do dia em seu quarto, deitada.
Imaginávamos que minha mãe, diferentemente de meu pai, cuja força era notória, iria se entregar quando as adversidades da vida chegassem. Não conseguíamos vê-la sem meu pai e por isso aguardamos que pouco tempo depois de sua morte, minha mãe o acompanharia.
Mas... nada disso. De onde não podíamos esperar, ela buscou forças. Sim, você pode pensar que minha mãe é uma velhinha amarga, rabujenta e resmungona. Enganou-se. Minha mãe... ah, minha mãe é altruísta, divertida, alegre, corajosa, forte, otimista... etc.
Lembro-me de ouvi-la orando por cada filho, nominalmente. Lembro-me dela indo à rua em Senador Camará defender seus filhos. Lembro-me de cada história bíblica que me contava e de todos os seus personagens.
Lembro-me das histórias folclóricas e das canções de ninar.
Lembro-me das poesias que lia para mim e me incentiva a decorar.
Abriu mão de sua vida para viver a nossa.
Após a morte de meu pai, minha mãe passou por uma cirurgia. Os médios a avisaram de que, pela sua idade e por seu estado de saúde, poderia não sair viva dela. No dia da cirurgia, estávamos lá, esperando os médicos, quando a maca chegou. Minha mãe olhou para os enfermeiros e disse: "até que enfim, pensei que não viriam..."
Após a cirurgia permaneceu no hospital por mais um longo tempo, para que eles a observassem. Chegou o dia de ir embora. Teve alta. A levei para minha casa. Ela começou a ter algumas reações que não entendia bem. Nenhum alimento parava em seu estômago. Final de agosto de 2005. Fiquei preocupada.
O dia amanhaceu, era 02 de setembro de 2005, meu aniversário. Minha começou a se sentir mal. Liguei para os médicos e pedi esclarecimentos de como proceder. Eles pediram que a levasse urgentemente para o hospital.
Passei todo o dia ao lado da minha mãe, enquanto fazia inúmeros exames. Foi internada novamente. Os rins estavam paralisados. Precisava ser submetida à terapia de hemodiálise.
Estranho que minha mãe, após descobrir sua diabetes e ficar ouvindo os médicos falarem que se não tivesse cuidado ia fazer hemo, repetia sempre, como em uma prece desesperada a Deus: "eu não quero ficar naquela máquina". E lá estava ela, "naquela" máquina.
Pensei: é o fim. Não irá suportar.
Mas não conhecia ainda a fibra de que era feita minha mãe.
Achava que era de linho fino, mas é de diamante, não quebra, não risca, não se desfaz.
É eterna.
Ela vem fazendo a terapia desde então. Procuro tornar isso o mais fácil possível. Invento histórias, faço brincadeiras, mas cada vez que a deixo na porta daquela sala, dou-lhe um beijo na testa e digo: "fica com Deus", sei que durante a sessão, posso não ver mais o seu sorriso.
Isso acontece todas as segundas e sextas. Cada vez que a sessão de hemo termina, sinto como se uma batalha fosse vencida. E lá vem ela, sorrindo ao me ver. Pergunta: "esperou muito, minha filha?" "Não mãe, não esperamos nada..."
Minha mãe não reclama, não a vejo triste. Está sempre implicando conosco, nos pregando peças e nos fazendo rir.
Cada manhã, cada noite é nova.
Todos os dias, acordo e vou ao seu quarto. A rotina: "bom dia, Ruth. Dormiu bem?" "sim, dormi". Sento em sua cama, dou-lhe um abraço e saio para trabalhar. À noite, antes de dormir, vou cuidar dela, dou-lhe outro beijo e digo: "boa noite, mãe. Dorme com Deus" "Você também, minha filha. Dorme com Deus e muito obrigada por tudo o que faz por mim".
Acho que ela não tem noção de que não fazemos nada por ela, mas ela é quem faz por nós.
Sempre digo a ela que meu pai está lá, num banquinho na porta do céu, esperando por ela.
Às vezes, quando estou na sala, próxima ao quarto dela, preparando as apostilas e o material para as aulas e o blogue, ouço sussurros e penso ouvi-la perguntando a Deus se meu pai continua no banquinho e se vai demorar muito para encontrá-lo... logo depois ouço a sua voz: "Raquel, tem café?"