Trezentos e sessenta e cinco dias... Um ano... Paro e penso. Há exatos trezentos e sessenta e cinco dias me vi sentada na sala de espera daquela clínica. Vou confessar: não tenho saudades. As lembranças, entretanto servem como um marco de vitória. É assim a nossa vida e assim tem que ser. As adversidades devem nos impulsionar, devem nos tornar mais fortes e resistentes.
Minha mãe com seu braço esquerdo cada vez mais paralisado, mais enrijecido, inchado...
Olhava em volta e via pessoas em situação semelhante, histórias que começaram como a da minha mãe. Pessoas que lutavam por suas vidas, de todas as maneiras e algumas que até já não se importavam em seguir vivendo. Preferiam descansar. Acompanhei muitas delas que já nem estão entre nós. Vi pessoas que chegaram ali com todos os seus membros e aos poucos os perdiam, um de cada vez.
Mais de uma vez fui chamada às pressas para acompanhá-la porque estava sendo levada ao hospital. Ficava internada. E mais uma vez revivíamos o drama.
Acho que só há uma pessoa mais traumatizada com hospital que eu... Minha mãe.
Cada vez que precisam encontrar uma veia para o soro, parece que é em mim.
Engraçada
essa inversão. Lembro que quando saía de casa, minha mãe dizia:
- Minha filha, assim que você chegar ao seu destino, ligue, por favor. E eu sempre obedeci.
Cada vez que um filho estava fora, minha mãe não dormia enquanto ele não chegasse. Presenciei, por inúmeras vezes, minha mãe ajoelhada à beira de sua cama suplicando por nós. Tenho certeza de que foi a sua perseverança que nos livrou dos perigos, das ciladas... Que nos fez superar cada derrota... Que nos egueu após cada queda.
Minha mãe teve febre por mais de uma semana e o ápice foi uma convulsão.
- Minha filha, assim que você chegar ao seu destino, ligue, por favor. E eu sempre obedeci.
Cada vez que um filho estava fora, minha mãe não dormia enquanto ele não chegasse. Presenciei, por inúmeras vezes, minha mãe ajoelhada à beira de sua cama suplicando por nós. Tenho certeza de que foi a sua perseverança que nos livrou dos perigos, das ciladas... Que nos fez superar cada derrota... Que nos egueu após cada queda.
Minha mãe teve febre por mais de uma semana e o ápice foi uma convulsão.
O braço dela não podia mais ser puncionado. Como faria a terapia? Várias sugestões e um encaminhamento. Desobedeci. À noite, tenho certeza, Deus me orientou. Resolvi parar com as sessões de terapia até que o problema do braço fosse resolvido. E assim fiz. Ninguém acreditava que ela superaria.
Naquele dia tomei uma decisão, talvez a mais importante da minha vida. Ao ser chamada à sala da médica responsável por minha mãe e ouvi-la dizer que já vira aquela história e que o fim não era nada agradável, voltei para casa desolada.
Ao invés de levá-la para a busca de um acesso, decidi levá-la para tirar o único que havia.
O médico que nos atendeu, perguntou se eu tinha certeza.
- Você sabe, que se eu tirar esse acesso, sua mãe não poderá fazer hemodiálise até que encontremos outro. Ela pode morrer.
Uma voz segura aos meus ouvidos. Apenas repeti:
- Por favor, tire o acesso.
Minha mãe foi levada à sala de cirurgia e o acesso retirado. Seu braço voltou ao normal quase que imediatamente. Fiquei feliz. Ela também.
Agora, iríamos para outra fase. A busca de um acesso para que as sessões continuassem.
Naquele hospital havia uma capela ecumênica. Enquanto minha mãe esteve internada, sem me importar com a religião que celebrava seu culto, eu entrava, me ajoelhava e pedia a Deus:
- Senhor, se é da sua vontade que minha mãe não faça mais hemodiálise, não permita que os médicos encontrem acesso.
Minha mãe foi e voltou do centro cirúrgico cinco vezes. Seu sistema venoso precário não permitiu mais acesso. Então, fomos mandados para outro hospital. Lá, ela seria submetida à cirurgia para o início da terapia peritonial.
Olhei para o Paulo, meu marido, e disse que não poderia acompanhá-lo naquele dia. Precisava dar aula. Mas, fiz um pedido.
- Paulo, assim que vocês chegarem ao hospital, peça um exame de sangue antes da internação.
Tudo preparado por Deus. Quando a ambulância chegou, a médica que os recebeu já conhecia minha mãe. Não relutou em fazer um exame de sangue. Ora, nem relutaria porque o que estava por vir surpreenderia até mesmo o mais incrédulo.
Naquela noite, Paulo foi o acompanhante. Eu dei aula e voltei para casa. No dia seguinte, bem cedo, parti para rendê-lo. No corredor do quarto de minha mãe vi meu marido conversando com a equipe médica. Equipe esta que tinha ido verificar a situação da paciente terminal que estava sem hemodiálise há mais de quinze dias.
Minha mãe brincava com a enfermeira na hora do banho. Foi assim que as médicas a encontraram. Completamente lúcida, rindo com a enfermeira.
Hahaha. Para quem acredita em milagres, nenhuma novidade. Paulo tentava explicar que ela estava bem. As médicas não acreditavam. Então, veio a constatação.
- Não, há alguma coisa errada. Um paciente renal crônico na situação de sua mãe não poderia estar todo esse tempo sem a terapia. Nós vamos fazer um exame de sangue agora.
- Não precisa, ele já foi feito. Respondi.
- Como assim?
- Ontem, quando ela chegou.
- Espera então, vamos buscar o resultado.
Eu, Paulo e minha mãe aguardando. Elas voltaram. Havia muita surpresa em seus olhares.
- O exame da sua mãe está normal. Ela não precisa fazer hemodiálise.
Eu apenas agradeci. Lá, bem no fundo do meu coração, eu já sabia. Minha mãe chorou quando lhe demos um copo de água bem cheio. A insuficiência renal a impedia de beber líquido. Deus já havia falado ao meu coração que aquele dia seria especial. Havia um presente para ela.
Minha mãe teve alta da hemodiálise no dia do seu aniversário, 18/06/2009.
Naquele dia tomei uma decisão, talvez a mais importante da minha vida. Ao ser chamada à sala da médica responsável por minha mãe e ouvi-la dizer que já vira aquela história e que o fim não era nada agradável, voltei para casa desolada.
Ao invés de levá-la para a busca de um acesso, decidi levá-la para tirar o único que havia.
O médico que nos atendeu, perguntou se eu tinha certeza.
- Você sabe, que se eu tirar esse acesso, sua mãe não poderá fazer hemodiálise até que encontremos outro. Ela pode morrer.
Uma voz segura aos meus ouvidos. Apenas repeti:
- Por favor, tire o acesso.
Minha mãe foi levada à sala de cirurgia e o acesso retirado. Seu braço voltou ao normal quase que imediatamente. Fiquei feliz. Ela também.
Agora, iríamos para outra fase. A busca de um acesso para que as sessões continuassem.
Naquele hospital havia uma capela ecumênica. Enquanto minha mãe esteve internada, sem me importar com a religião que celebrava seu culto, eu entrava, me ajoelhava e pedia a Deus:
- Senhor, se é da sua vontade que minha mãe não faça mais hemodiálise, não permita que os médicos encontrem acesso.
Minha mãe foi e voltou do centro cirúrgico cinco vezes. Seu sistema venoso precário não permitiu mais acesso. Então, fomos mandados para outro hospital. Lá, ela seria submetida à cirurgia para o início da terapia peritonial.
Olhei para o Paulo, meu marido, e disse que não poderia acompanhá-lo naquele dia. Precisava dar aula. Mas, fiz um pedido.
- Paulo, assim que vocês chegarem ao hospital, peça um exame de sangue antes da internação.
Tudo preparado por Deus. Quando a ambulância chegou, a médica que os recebeu já conhecia minha mãe. Não relutou em fazer um exame de sangue. Ora, nem relutaria porque o que estava por vir surpreenderia até mesmo o mais incrédulo.
Naquela noite, Paulo foi o acompanhante. Eu dei aula e voltei para casa. No dia seguinte, bem cedo, parti para rendê-lo. No corredor do quarto de minha mãe vi meu marido conversando com a equipe médica. Equipe esta que tinha ido verificar a situação da paciente terminal que estava sem hemodiálise há mais de quinze dias.
Minha mãe brincava com a enfermeira na hora do banho. Foi assim que as médicas a encontraram. Completamente lúcida, rindo com a enfermeira.
Hahaha. Para quem acredita em milagres, nenhuma novidade. Paulo tentava explicar que ela estava bem. As médicas não acreditavam. Então, veio a constatação.
- Não, há alguma coisa errada. Um paciente renal crônico na situação de sua mãe não poderia estar todo esse tempo sem a terapia. Nós vamos fazer um exame de sangue agora.
- Não precisa, ele já foi feito. Respondi.
- Como assim?
- Ontem, quando ela chegou.
- Espera então, vamos buscar o resultado.
Eu, Paulo e minha mãe aguardando. Elas voltaram. Havia muita surpresa em seus olhares.
- O exame da sua mãe está normal. Ela não precisa fazer hemodiálise.
Eu apenas agradeci. Lá, bem no fundo do meu coração, eu já sabia. Minha mãe chorou quando lhe demos um copo de água bem cheio. A insuficiência renal a impedia de beber líquido. Deus já havia falado ao meu coração que aquele dia seria especial. Havia um presente para ela.
Minha mãe teve alta da hemodiálise no dia do seu aniversário, 18/06/2009.
Agindo Deus, quem impedirá?
Hoje minha mãe completa um ano sem a terapia. Durante esse período foi ao médico apenas para consultas de acompanhamento e dia desses por causa da vacina H1N1.
Mais uma vez pensamos que a perderíamos, mas a sua força nos surpreende. O texto de Paulo nos vem à mente: "quando estou fraco é que me sinto forte".
A resposta de sempre.
- Sim, estão todos bem.
Hoje minha mãe completa um ano sem a terapia. Durante esse período foi ao médico apenas para consultas de acompanhamento e dia desses por causa da vacina H1N1.
Mais uma vez pensamos que a perderíamos, mas a sua força nos surpreende. O texto de Paulo nos vem à mente: "quando estou fraco é que me sinto forte".
Hoje
ela ainda me espera chegar. Penso que, por ser tão tarde, ela estará
dormindo. Engano. Entramos bem quietos, pé por pé e, quando estamos
saindo do quarto, a voz:
- Minha filha, você já chegou? Demorou hoje. Senti tanta saudade!
O ritual se repete. A gente volta e lhe dá boa noite.
- Minha filha, você já chegou? Demorou hoje. Senti tanta saudade!
O ritual se repete. A gente volta e lhe dá boa noite.
Cada
vez que nos ausentamos por um tempo maior, ligamos todos os
dias, mais de uma vez se for o caso, só para perguntar:
- E aí, mãe, está tudo bem?
- E aí, mãe, está tudo bem?
A resposta de sempre.
- Sim, estão todos bem.
Feliz aniversário, mãe!!! Feliz renascimento!!!