quinta-feira, 3 de junho de 2010

Trezentos e sessenta e cinco dias...

Trezentos e sessenta e cinco dias... Um ano... Paro e penso. Há exatos trezentos e sessenta e cinco dias me vi sentada na sala de espera daquela clínica. Vou confessar: não tenho saudades. As lembranças, entretanto servem como um marco de vitória. É assim a nossa vida e assim tem que ser. As adversidades devem nos impulsionar, devem nos tornar mais fortes e resistentes.

Minha mãe com seu braço esquerdo cada vez mais paralisado, mais enrijecido, inchado...

Olhava em volta e via pessoas em situação semelhante, histórias que começaram como a da minha mãe. Pessoas que lutavam por suas vidas, de todas as maneiras e algumas que até já não se importavam em seguir vivendo. Preferiam descansar. Acompanhei muitas delas que já nem estão entre nós. Vi pessoas que chegaram ali com todos os seus membros e aos poucos os perdiam, um de cada vez.


Mais de uma vez fui chamada às pressas para acompanhá-la porque estava sendo levada ao hospital. Ficava internada. E mais uma vez revivíamos o drama. 

Acho que só há uma pessoa mais traumatizada com hospital que eu... Minha mãe.

Cada vez que precisam encontrar uma veia para o soro, parece que é em mim.

Engraçada essa inversão. Lembro que quando saía de casa, minha mãe dizia:

- Minha filha, assim que você chegar ao seu destino, ligue, por favor. E eu sempre obedeci.

Cada vez que um filho estava fora, minha mãe não dormia enquanto ele não chegasse. Presenciei, por inúmeras vezes, minha mãe ajoelhada à beira de sua cama suplicando por nós. Tenho certeza de que foi a sua perseverança que nos livrou dos perigos, das ciladas... Que nos fez superar cada derrota... Que nos egueu após cada queda.

Minha mãe teve febre por mais de uma semana e o ápice foi uma convulsão.


O braço dela não podia mais ser puncionado. Como faria a terapia? Várias sugestões e um encaminhamento. Desobedeci. À noite, tenho certeza, Deus me orientou. Resolvi parar com as sessões de terapia até que o problema do braço fosse resolvido. E assim  fiz. Ninguém acreditava que ela superaria.

Naquele dia tomei uma decisão, talvez a mais importante da minha vida. Ao ser chamada à sala da médica responsável por minha mãe e ouvi-la dizer que já vira aquela história e que o fim não era nada agradável, voltei para casa desolada.

Ao invés de levá-la para a busca de um acesso, decidi levá-la para tirar o único que havia. 

O médico que nos atendeu, perguntou se eu tinha certeza.

- Você sabe, que se eu tirar esse acesso, sua mãe não poderá fazer hemodiálise até que encontremos outro. Ela pode morrer.

Uma voz segura aos meus ouvidos. Apenas repeti:

- Por favor, tire o acesso. 

Minha mãe foi levada à sala de cirurgia e o acesso retirado. Seu braço voltou ao normal quase que imediatamente. Fiquei feliz. Ela também. 

Agora, iríamos para outra fase. A busca de um acesso para que as sessões continuassem. 

Naquele hospital havia uma capela ecumênica. Enquanto minha mãe esteve internada, sem me importar com a religião que celebrava seu culto, eu entrava, me ajoelhava e pedia a Deus:

- Senhor, se é da sua vontade que minha mãe não faça mais hemodiálise, não permita que os médicos encontrem acesso. 

Minha mãe foi e voltou do centro cirúrgico cinco vezes. Seu sistema venoso precário não permitiu mais acesso. Então, fomos mandados para outro hospital. Lá, ela seria submetida à cirurgia para o início da terapia peritonial. 

Olhei para o Paulo, meu marido, e disse que não poderia acompanhá-lo naquele dia. Precisava dar aula. Mas, fiz um pedido. 

- Paulo, assim que vocês chegarem ao hospital, peça um exame de sangue antes da internação.

Tudo preparado por Deus. Quando a ambulância chegou, a médica que os recebeu já conhecia minha mãe. Não relutou em fazer um exame de sangue. Ora, nem relutaria porque o que estava por vir surpreenderia até mesmo o mais incrédulo. 

Naquela noite, Paulo foi o acompanhante. Eu dei aula e voltei para casa. No dia seguinte, bem cedo, parti para rendê-lo. No corredor do quarto de minha mãe vi meu marido conversando com a equipe médica. Equipe esta que tinha ido verificar a situação da paciente terminal que estava sem hemodiálise há mais de quinze dias. 

Minha mãe brincava com a enfermeira na hora do banho. Foi assim que as médicas a encontraram. Completamente lúcida, rindo com a enfermeira. 

Hahaha. Para quem acredita em milagres, nenhuma novidade. Paulo tentava explicar que ela estava bem. As médicas não acreditavam. Então, veio a constatação.

- Não, há alguma coisa errada. Um paciente renal crônico na situação de sua mãe não poderia estar todo esse tempo sem a terapia. Nós vamos fazer um exame de sangue agora. 

- Não precisa, ele já foi feito. Respondi. 

- Como assim? 

- Ontem, quando ela chegou. 

- Espera então, vamos buscar o resultado. 

Eu, Paulo e minha mãe aguardando. Elas voltaram. Havia muita surpresa em seus olhares. 

- O exame da sua mãe está normal. Ela não precisa fazer hemodiálise. 

Eu apenas agradeci. Lá, bem no fundo do meu coração, eu já sabia. Minha mãe chorou quando lhe demos um copo de água bem cheio. A insuficiência renal a impedia de beber líquido. Deus já havia falado ao meu coração que aquele dia seria especial. Havia um presente para ela. 

Minha mãe teve alta da hemodiálise no dia do seu aniversário, 18/06/2009.

Agindo Deus, quem impedirá?


Hoje minha mãe completa um ano sem a terapia. Durante esse período foi ao médico apenas para consultas de acompanhamento e dia desses por causa da vacina H1N1.

Mais uma vez pensamos que a perderíamos, mas a sua força nos surpreende. O texto de Paulo nos vem à mente: "quando estou fraco é que me sinto forte".

Hoje ela ainda me espera chegar. Penso que, por ser tão tarde, ela estará dormindo. Engano. Entramos bem quietos, pé por pé e, quando estamos saindo do quarto, a voz:

- Minha filha, você já chegou? Demorou hoje. Senti tanta saudade!

O ritual se repete. A gente volta e lhe  dá boa noite.

Cada vez que nos ausentamos por um tempo maior, ligamos todos os dias, mais de uma vez se for o caso, só para perguntar: 

- E aí, mãe, está tudo bem?

A resposta de sempre.

- Sim, estão todos bem.

Feliz aniversário, mãe!!! Feliz renascimento!!!

Tudo começou quando...

meus sobrinhos, e não são poucos, resolveram fazer concurso para o Tribunal de Justiça.

Eu já estava trabalhando como Auxiliar Judiciário, aprovada no concurso de 1993. Pediram-me que desse aulas.

Então nos reuníamos na casa de um deles aos finais de semana e estudávamos. Comecei a elaborar apostilas que eram chamadas por eles de "apostilas da Que-Quel".

Ah, devo dizer que também não foi fácil pra mim.

Sou caçula de uma família com dez filhos.

Meus pais, muito humildes, não podiam fazer mais do que faziam. Todos tivemos que nos virar muito cedo.

Mas eles estavam ali.... movidos de esperança. Ensinaram-me que nunca devemos desistir dos nossos sonhos, não importa quantas vezes choremos... não importa se não chegamos em primeiro lugar... não importa se não alcançamos nossos alvos na primeira tentativa... não importam as adversidades... apenas continuem, dizia meu pai. E o via ali, praticando, ele mesmo, tudo o que ensinava.

E segui.

E então, como dizia, comecei a elaborar apostilas que foram ficando famosas... rsrs


No Fórum onde trabalhava, os colegas começaram a pedir que desse aulas. Mudei o local para minha casa e começamos a estudar.

E veio o concurso de 1997. Prova difícil.
Não obtiveram o êxito esperado. Mas não desistimos.

E veio o concurso de 2001. Estava já há algum tempo no TJ e resolvi que precisava mudar de cargo. Precisava passar para Analista. O que fazer? Pedi um mês de licença-prêmio e me tranquei em casa.

Prestem atenção. Tranquei-me!!! O tempo jogava contra mim. Minha licença foi deferida para 1º de julho de 2001 e a prova seria vinte e um dias depois.


Passava os dias lendo Codejrj e Estatuto e gravando a minha própria voz para escutar mais tarde, enquanto fazia outras tarefas.

Estudei o que pude, como pude.


E aí... em 2001 fui aprovada para Analista Judiciário (antigo Técnico Judiciário Juramentado). Gabaritei as questões de Codjerj e Estatuto.

Pouco tempo depois, estava trabalhando, quando um amigo, Vinícius, sabendo que eu havia gabaritado essas matérias, me convidou para dar aulas em Campo Grande-RJ.

Fui, morrendo de medo. Frio na barriga. Mas fui...

Lembra?? Jamais desistir!


Parece que gostaram... Daqui a pouco, ele mesmo , Vinícius, ao ser convidado para dar aulas em um curso da Barra, indicou meu nome para substituí-lo.

E lá fui eu... Assim, foram conhecendo meu trabalho.

Logo, estava sendo convidada para outro curso... e outro... e outro...


E tenho dado aulas desde então. A cada concurso, um novo desafio.

As apostilas da "Que-Quel" foram transformadas em apostilas da Professora Raquel Tinoco.

Amanda, minha sobrinha, está hoje no TJ-PR.

Outros sobrinhos seguiram rumos diferentes, sempre em frente, sempre na direção de seus sonhos. Estão chegando lá.


Meus alunos tornaram-se meus amigos e isso não tem preço.

Meu maior incentivo?? É acompanhar cada resultado e torcer por:

Admares, Alessandras, Alexandres, Alines, Amandas, Andréias, Andrezzas, Anicks, Arianes, Biancas, Bias, Brunos, Calixtos, Carlas, Carlos, Carlinhos, Carolinas, Carolines, Cidas, Christians, Constanças, Cristianes, Daniéis, Danielles, Deises, Denises, Diogos, Drês, Dris, Eneas, Fabíolas, Fábios, Fernandas, Filipes, Flávios, Freds, Giselas, Giseles, Ghislaines, Glórias, Hannas, Henriques, Ianos, Ilanas, Isabéis, Isabelas, Israéis, Ivanas, Ivans, Izadoras, Jackies, Jacques, Janes, Joões, Jeans, Julianas, Kayenes, Kátias, Lenes, Léos, Lúcias, Lucianas, Lucianos, Ludymilas, Luízas, Luzias, Magnos, Marcelas, Marcélis, Marcellas, Marcelles, Márcias, Marcys, Marianas, Marias, Megs, Meles, Mônicas, Patrícias, Pattys, Paulos, Pedros, Pritzes, Rafas, Rafaéis, Raphas, Raquéis, Renatas, Renées, Robertas, Robertos, Rodrigos, Rogérias, Silvanias, Simones, Sérgios, Suelens, Suellens, Tassianas, Tatis, Vanessas, Vicentes, Wilsons....

Deus os abençoe.

não desista!

não desista!

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