Tenho comigo um princípio. As pessoas são muito mais do que se pode ver, do que apresentam ser externamente. Ao olhar para alguém, temos que penetrar em seus olhos, buscar algo mais, algo que nos diga mais, pois suas histórias, suas marcas nem sempre são perceptíveis como as cicatrizes de um acidente podem ser.
Pois é, ao postar a história da Vanessa descobri a história de Carlos. Ele como ela é aluno. Todos os sábados na turma do TRE-MG eu o via rindo, brincando, sempre com o mesmo bom humor, sempre com as mesmas tiradas engraçadas durante a aula. Está convicto do que quer e suas dores não o paralisaram, mas o ensinaram a sentir a dor do outro. Eis sua história:
"Bom, em primeiro lugar quero me apresentar.
Meu nome é Carlos Motta, sou (estou) concurseiro, tenho 49/50 anos e ainda pretendo chegar lá.
Já tenho algumas aprovações e uma convocação. Sou Servidor Público Municipal.
Quando li a história da Vanessa Moraes, lembrei-me de meu filho.
Em 1986 nasceu meu primeiro filho, o Diego. Ele foi concebido perfeito, sem nenhum problema na gestação, sem nenhuma anomalia genética, mas veio ao mundo com um grave destino:
Ele era muito grande e sua mãe não tinha passagem suficiente para que ele pudesse nascer naturalmente como queríamos.
Deveria ter sido indicada uma cesariana, porém, queríamos o melhor, queríamos parto dentro d’água, queríamos o mais natural possível para que ele fosse uma criança saudável, forte... mas sua mãe não tinha passagem e a médica que a assistia não percebeu, talvez, e ele foi acometido de uma paralisia cerebral por insuficiência de oxigenação no cérebro.
Problemas adquiridos, problemas resolvidos, tínhamos nas mãos uma pessoinha que dependeria para sempre de nossa valiosa ajuda.
Ele não tinha nenhuma coordenação motora. Não andava, não falava e chegou ao ponto de não se alimentar via oral. Foi introduzida uma espécie de botão, ligado diretamente ao estômago, por onde era ministrada sua alimentação.
Não chorou ao nascer, o que foi muito frustrante para mim e principalmente para sua mãe.
Ela, uma pessoa super saudável, com um vigor, uma força invejável, um preparo para ser mãe tão grande que conseguiu fazer com que nossos problemas fossem diminuídos graças a sua habilidade natural para lidar com adversidades.
A partir daí começamos a perceber que cada pequena vitória – um pequeno sorriso, um pequeno balbuciar de som qualquer – era motivo de orgulho e caíamos no choro, tamanha era a nossa felicidade pelos pequenos avanços.
As maiores vitórias foram quando ele chorou compulsivamente e principalmente quando ele deu aquela gargalhada gostosa que toda criança dá e, apesar de rirmos juntos, nunca percebemos a maravilha que é poder chorar, poder rir.
Ele era uma pessoa muito feliz, apesar de sua condição. Nunca o víamos triste. Tinha sempre um sorriso nos lábios. Nos mostrava sempre que não devíamos chorar por causa das suas dificuldades motoras e sim que devíamos lutar sempre para nos levantar, para nos erguer, qualquer que fosse a situação.
As percepções, os questionamentos a respeito da vida começaram a aparecer e passamos a verificar que valorizamos muitas coisas que não nos levam a nada e esquecemos de dar valor aos detalhes importantes que a vida nos apresenta.
Há momentos em que nos preocupamos com assuntos tão pequenos... Depois que passam nem nos lembramos deles, esquecemos de valorizar o que realmente é necessário para levarmos uma vida saudável, uma vida alegre, uma vida feliz.
Meu filho nos deixou aos 8 anos de idade. Ele teve várias pneumonias de repetição e na última seu pulmão não foi suficientemente forte para aguentar e, necrosado, fez com que ele viesse a falecer.
O mais importante de tudo isso é que ele nos trouxe uma grande lição: nunca devemos menosprezar nada nessa vida, nunca devemos crer que nossos problemas são maiores que o do nosso próximo, nunca devemos deixar de perceber as pequenas vitórias.
Hoje, agradeço a Deus pelo privilégio e a honra de ter tido o Diego como filho, agradeço a Deus por ter me enviado essa escola de vida.
Por esse motivo é que continuo na luta por uma colocação mais adequada, por uma valorização maior, por uma condição de vida digna, o que só vou conseguir estudando e muito.
Obrigado, Professora Raquel, pela oportunidade de contar essa parte de minha história de vida.
Desejo a todos muito sucesso e faço minhas as palavras do Professor e Desembargador Glioche: 'Estudar até passar e não para passar'."
O Carlos, além de guerreiro, concursando e feliz, é músico e você pode conhecer seu trabalho no site www.grupocantodobar.com.br
Confira o som no http://www.youtube.com/watch?v=zzBXcAElyaU