Se você viu Richard Gere com o seu akita (Hachi) vai entender perfeitamente o Jiló.
Acho que ele até poderia trabalhar no filme, claro, não fosse obrigado a permanecer tantos anos naquela estação. Acho que isso ele não conseguiria, com toda sua hiperatividade. rsrs
Mas... acho que se eu ficasse por ali... quem sabe?
Jiló é um cão apaixonado. Está sempre ao meu lado. Tive bichos e bichos de estimação.
Pode apostar, alguns até esquisitos, como, por exemplo, aqueles ratinhos ameaçados de morte quanto morei em Senador Camará.
Minha mãe estava decidida a acabar com aqueles camundongos que passavam, vez ou outra, pela casa, correndo. Descobri o ninho dos ratos antes dela e resolvi salvá-los. No quintal havia uma pilha de tijolos destinados à construção da casa de meu irmão. Acho que não consegui salvar a mãe, pois no dia D ela não estava lá. Peguei todos os filhotes pelo rabinho, um a um e os coloquei nos buraquinhos dos tijolos.
Como me senti?
A própria Santa Francisca de Assis.
Calma aí. Eu só tinha seis anos. Hoje, nem todo o meu amor por bichos me daria tanta coragem. Como a gente muda, né?
Ah, também já tive aqueles pintinhos coloridos que os caras pintavam e trocavam por garrafas de vidro. Depois de algum tempo, percebia que todos eram brancos. Mas eram meus. Ai de quem pensasse em almoçá-los ou jantá-los. Um até dormia na cabeceira da minha cama, empoleirado!!!
Muitos coelhos, preás, gatos e cães passaram pela minha vida e ainda continuam passando, mas... o Jiló...
Nada comparado ao que vivi! Todos os dias, a mesma rotina.
Manhã: Jiló parado na porta esperando que alguma boa alma venha abri-la. De repente, a boa alma. Ele entra, vasculha o ambiente e lá se vão gatos para todos os lados. rsrs
Sobe os degraus, apoia o queixo sobre a minha cama e fica ali esperando que eu acorde.
Abro os olhos. Um salto sobre a cama e quinhentas mil lambidas!!! Jilóóóóóóó...
Ele deita no chão, do mesmo lado da cama em que eu estou e aguarda pacientemente que eu me levante. A partir de então começa a peregrinação:
1. Porta do banheiro...
2. Ajudando-me a cuidar da Ruth... "Lá vem o cachorrão!!! Ele não te larga, né minha filha? Ai, não me lambe, não!!!"
3. Ao lado da mesa do café...
4. Na cozinha enquanto pego água...
5. Ajudando-me a colocar roupa na máquina (no caminho corre atrás de uns gatos)...
6. No quintal, disfarçado de flor ou de folhagem enquanto fotografo pássaros...
7. Na porta do banheiro aguardando que eu dê banho na Ruth...
8. Ao lado do rack, embaixo do rack...
etc.
Ele não come, não faz xixi, não bebe água... incrível!!! Só seu eu sair do lugar onde estou.
Para tomar remédio, lá vou eu levá-lo para o Paulo. Pode chamá-lo o quanto quiser. Pode oferecer a melhor das guloseimas. Se eu não disser "vai lá, Jijo", ele permanece imóvel, indiferente.
Se começo a escolher a roupa com que vou sair, ele já deita na cama da Prince e fica ali, com uma cara que nem consigo olhar. Um pobre coitado!!! Vai ser abandonado pela dona!!! É terrível!!!
Saio e ele vem me seguindo até o portão. Às vezes deita de costas, de mal. Outras, fica ali, com aquela cara, aquele olhar... Ui...
Todos os dias quando chego é o único que está lá, no portão. Percebe o barulho do carro. Mil pulos depois, entra comigo em casa e mais uma etapa de peregrinação até que eu me acomode para dormir.
De novo, ele deita no chão do mesmo lado em que eu estou e ali fica, disfarçado de estátua. Tem medo que Paulo o aviste e profira a sentença de morte: "Pra fora, Jiló!"
Levanta, olha pra mim e aguarda: "Boa noite, Jijo. Até amanhã".
Ele sai, aguarda o amanhecer e sonha: "vou estar sempre ao seu lado."