Havia um pai, cujo caráter foi forjado no fogo da rigidez e nas trilhas do sofrimento. Era um homem antigo, de antigos conceitos e severas convicções.
Esse pai, de muitos filhos, não concordava com todas as suas escolhas, mas acima da dureza das batidas na bigorna que constituíram sua trajetória, ele soube colocar o mais lindo dos sentimentos, o amor.
Certo dia, o pai soube que uma de suas filhas passava por provações. Não, não era uma criança, era uma filha já de certa idade. Mas isso não importava para o pai.
Ele, de mãos dadas com um neto que criara como filho, partiu em direção à filha. Chegando ao destino, após longas horas de viagem, foi convidado a entrar.
O pai tinha uma mania engraçada. Mãos nos bolsos da calça, percorria cômodo por cômodo, observava cada detalhe. Percebeu que a filha não possuía muita coisa. Constrangida, a filha disse que não poderia oferecer-lhe um café, pois não havia fogão.
O pai, firme como sempre, tomou o neto pela mão e saiu. Voltou com algumas sacolas. Nelas haviam vários tipos de alimentos, suficientes para lancharem sem que uma só chama fosse acesa. Comeram, conversaram sobre várias coisas, riram, brincaram e o dia foi passando.
Hora do almoço. A filha, novamente sem saber como dizer, não poderia preparar-lhe algo. O pai, percebendo a sua angústia, olhou em seus olhos e disse: "filha, não se preocupe com a comida. Eu vim por outro motivo. Soube que seu aluguel está atrasado e que não tem dinheiro para pagá-lo. Eu vim pagar o seu aluguel." Entregou o dinheiro e pediu que ela o conduzisse ao ponto de ônibus para que retornasse.
Nos olhos do pai a tristeza de não ter podido fazer mais. No coração da filha, a lição de que nunca mais permitiria que seu pai, já idoso, atravessasse qualquer distância, para gastar seu pouco dinheiro com ela. Saiu a procurar emprego, fez novas escolhas, umas certas outras erradas. O pai apenas observava. Sabia que só o amor e não o ódio era capaz de transformações, que apenas o perdão e não a intransigência era capaz de mudar caminhos.
Raquel Tinoco
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