Paredão da Serra dos Órgãos |
Paredão - 02/01/2011 |
Era o início do ano. Dia 02 de janeiro. Meu irmão e sua esposa preparavam-se para ir embora. Ficaram conosco na virada. Estava chovendo. Meu irmão olhou para o paredão e bem no canto da Serra viu a água que descia das rochas. Corri e peguei a câmera, comecei a filmar, pouca resolução, muito longe, mas mesmo assim, a força daquela queda d'água impressionou.
Num dia chuvoso, resolvemos subir a Serra e pelo caminho, fotografei várias cachoeiras que desciam pelas rochas, mas ainda não tinha visto nada igual.
Para que tenha idéia, minha casa fica na subida serra, uma distância aproximada de 15 quilômetros até a entrada de Terê. Daqui onde estou, consigo ver todo o paredão do Dedo de Deus, num ângulo bem diferente do que você conhece. É um vale. Do alto, no Mirante do Soberbo, você vê Guapi encravada no verde da serra.
Naquele dia, aquela imagem nos fez ficar ali, minutos, olhando a cachoeira que descia pela parede da rocha. Aproximei o mais que pude. Era apenas o prenúncio do que viria.
A chuva não deu trégua. Continuou sem parar. Já estávamos preocupados. Conhecíamos histórias de desmoronamentos em bairros de Guapi. Minha sobrinha perdeu, de uma só vez, sua irmã, cunhado e sobrinhos na Barreira. Presenciamos, muitas vezes, as cabeças d'água que descem da serra e arrastam sem piedade o que está pela frente. Os rios sobem em instantes. Há avisos em todos os cantos. Aprendemos a respeitar os rios.
Na terça-feira, dia 11, ao retornarmos do Rio, eu e Paulo olhamos a serra. Lá estava aquela queda d'água ativa, jorrando do paredão. Impressionante. Era o último aviso. Na madrugada de quarta-feira, a tragédia. A serra resolveu mudar de lugar, desceu, sem piedade.
As notícias eram desoladoras... Bairros inteiros desapareceram. Famílias inteiras sucumbiram.
Começamos a ligar para nossos conhecidos de Terê. Telefones mudos, celulares fora da área. Conseguimos. A primeira notícia. Anete, uma amiga, perdeu muitos familiares. A sogra, cunhada e sobrinhos foram arrastados. Moravam no Bairro Campo Grande. No dia seguinte, liguei de novo. A sogra ainda não tinha sido encontrada. Uma cunhada e três sobrinhos sobreviveram. Precisavam de roupas. Separei o que pude e resolvi subir a serra.
A chuva voltou a cair. Enquanto subia, diferente do que ocorria em todos os finais de semana, percebia que estava só, nenhum carro me acompanhava na subida. Carros passavam descendo a serra e eu subia, só. Há alguns dias atrás, era difícil sair de minha rua, pois a fila de carros subindo era enorme. Iam em direção à linda região serrana.
A visibilidade era ruim, não havia céu, não havia terra, apenas o verde apagado das árvores e o branco da névoa. Cheguei. A cidade estava vazia. Procurei minhas amigas. Encontrei Andréia, irmã de Anete. A notícia. Até aquele momento, Anete já havia enterrado 16 membros da família de seu marido e ainda faltavam 6. Sua sogra continuava desaparecida.
Andréia começou a me contar como uma das meninas conseguiu se salvar. Ela estava preparando-se para dormir e acabara de orar quando seu quarto começou a descer. Caiu em um buraco e sua mãe foi atirada para fora. Nesse momento, viu a parede que descia sobre a filha e com o braço, tentou segurar a parede. Quebrou o braço, mas conseguiu puxar a criança. Sua mãe morava na casa de baixo. Teve tempo de segurar as duas filhas e sair. Seu filho, de 14 anos, não teve a mesma sorte. Foi arrastado pela força da terra que descia. A casa ruiu e sua mãe foi levada. Até ontem não tinha sido encontrada.
Após conversar com Andréia, resolvi seguir mais adiante, em direção ao Centro de Terê. Havia um desvio logo abaixo. Muitos caminhões-pipa em fila. Olhei e vi muitas pessoas em frente à Delegacia. O prédio onde antes funcionava a Igreja de Nova Vida transformara-se num IML. Pessoas de branco, imprensa, familiares... e alguns caminhões-frigorífico. Eu sabia que ali estavam vários corpos aguardando o reconhecimento. Pensei em Anete. Quantas vezes teve que reconhecer corpos de familiares? Quantas vezes entrou naquele caminhão? Quantas vezes ainda entraria na busca de sua sogra?
Bombeiros passavam em alta velocidade, abrindo caminho por entre os carros engarrafados. Uma parte da cidade sem água e sem luz. O barulho dos helicópteros acima de minha casa é contínuo. Sei para onde estão indo. Não se trata de um vôo panorâmico sobre a Pedra do Sino. Não.
Não consegui mensurar a dor. Jamais conseguirei. Nada vi comparado ao que há para ver nos arredores de Terê. Não consigo pensar em nada o que dizer. Só me resta uma coisa: abraçar meus amigos e chorar!!!
7 comentários:
Todo início de ano parece que a natureza resolve nos mostrar a sua revolta , o seu descontentamento com que o ser humano está agindo com a sua preservação. Ficamos perplexos diante da força de um rio que em questão de minutos arrasta tudo que vê pela frente. Estamos numa era de renovação e neste momento nos falta discernimento desses acontecimentos. Temos que rezar para pedir forças e superação para essas pessoas da região serrana, embora esquecer será impossível.
Raquel, acompanho seu blog a muito tempo para me atualizar sobre os concursos e não podia deixar de falar que definitivamente o que você postou resumiu de fato o ocorreu em Teresópolis...moro aqui a 22 anos e nunca vi nada parecido com o que aconteceu e está acontecendo na minha cidade...bairros sumiram para sempre do mapa, não há possibilidade de reconstrução, milhares de pessoas estão sem suas casas, dependendo de parentes, amigos, ou abrigos...em fim, dependendo da solidariedade alheia. O que por sinal, apesar da catástrofe e do grande números de vítimas, a população teresopolitana está de parabéns...nunca vi uma tragédia como essa, mas também nunca vi tanta vontade de ajudar o povo, que não está ligando para câmeras e para a imprensa, mas sim em ajudar a essas pessoas..Muito bonito!!Enfim, vale frisar também que, como todos sabem, as vítimas precisam que as doações não parem, vindas de todo o Brasil..pois tem muita gente desalojada ou desabrigada...E claro muita força de Deus para tentar superar tudo isso que aconteceu...Um beijo.
É Zana, verdadeiramente inesquecível.
Oi Anna. Amo Terê, assim como amo Guapi. Foi triste passear por aí na semana passada. Sei que o que vemos pela televisão está longe de ser a realidade que vcs estão vivendo. Só sentindo na pele. Tenho fé que as doações não vão parar. Eu, como vc, jamais vi coisa igual. Desde o primeiro momento, quando a catástrofe começou em Friburgo eu já senti que seria algo jamais visto por aqui. Fico vendo aquelas falhas na serra. Impressionante. Ontem ouvi que terão que desenhar novos mapas da região, pois muita coisa mudou de lugar. Os rios mudaram de lugar, os montes mudaram de lugar, as ruas mudaram de lugar... Há lojas fechadas desde a semana passada e já se sabe que até agora não abriram porque toda a família dos proprietários se foi. Minha amiga encontrou sua sogra depois de uma semana soterrada. Reconhecimento??? Só pelas digitais!!! Eu nem consigo imaginar a dor!!! Seis pessoas da família ainda não foram encontradas. Peço a Deus todos os dias consolo, força, muita força a todos!!! Bjs
Rezemos para que Deus console os que ficaram e receba os que se foram. Gosto muito de você. Beijjos
Os brasileiros são muitos solidários que a s doações não parem. Aqui no meu trabalho estamos fazendo a campanha SOS Região Serrana – Deixe a Solidariedade tocar você. Somente Deus pode consolar todos esses corações que perderam tudo, como, por exemplo, casa, família e lembranças. Sei o que estamos vendo na televisão não deve se comparar com a realidade. Continue abraçando seus amigos, por que não temos palavras para descrever o tamanho da dor.
Oi, Lara. Obrigada. Bjs
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