A saúde das democracias, quaisquer que sejam seu tipo e seu grau, depende de um mísero detalhe técnico: o procedimento eleitoral. Tudo o mais é secundário. Se o regime de comícios é acertado, se se ajusta à realidade, tudo vai bem; se não, embora o resto marche otimamente, tudo vai mal. (ORTEGA Y GASSET, in A Rebelião das Massas)
Pode-se alegar algum exagero retórico na afirmação do famoso teórico liberal espanhol. Tal, entretanto, não afasta o acerto essencial de sua afirmação: o sistema eleitoral e a organização das eleições constituem as bases de um regime político democrático.
No Brasil, o sistema político e eleitoral é marcado por fortes contradições: há nele modernidade e atraso, estímulos à participação democrática e aspectos que propiciam o afastamento do cidadão/eleitor da vida política nacional. Há nele tecnologias contemporâneas convivendo com velhas culturas que se manifestam em tentativas de compra de votos, em boa hora combatida por lei de iniciativa popular.
Aspecto de nossa legislação eleitoral merecedor de severa crítica e análise profunda, com vistas à sua mudança é, certamente a existência de uma miríade legislativa, um complexo normativo distribuído por diversos diplomas legais, a exigir codificação, harmonização e simplificação, pois qualidade fundamental de um sistema eleitoral é que ele seja compreensível pelos cidadãos e o procedimento eleitoral respectivo seja ágil e célere, em respeito ao princípio constitucional da duração do razoável processo.
Foi certamente inspirado por esse quadro e motivado pela vontade de transformá-lo que o Senador JOSÉ SARNEY, Presidente do Senado Federal, constitui a Comissão Especial da Reforma do Código Eleitoral, constituída por juristas especializados e experimentados, e que tenho a honra de presidir.
Com sabedoria e prudência, a Comissão iniciou seus trabalhos com duas iniciativas: uma série de reuniões e debates para definir os temas que serão objeto de seu exame e deliberação, e, a partir desse temário, a realização de nove audiências públicas, em todas as regiões do Brasil, com o propósito de ouvir da sociedade as suas sugestões para o aperfeiçoamento da legislação eleitoral brasileira.
Cabe notar, ao final, uma importante peculiaridade de nosso regime eleitoral: há, de fato, um sistema complexo e minucioso, que muitas vezes é alterado parcialmente antes de cada processo eleitoral. Entretanto, o seu núcleo central, o sistema eleitoral proporcional de listas abertas, com voto uninominal, é basicamente o mesmo desde 1935, e foi aplicado a 16 pleitos eleitorais a partir de 1945. Desde então, apenas duas mudanças de relevo nele foram introduzidas, uma para vedar a candidatura de uma mesma pessoa em diversos estados e outra para desconsiderar o voto em branco para o cálculo do quociente eleitoral.
Outras alterações em nosso sistema político que constituíram avanços democráticos históricos, como a concessão do direito de voto ao analfabeto e a exigência de que a lei eleitoral entre em vigor pelo menos um ano antes do pleito, fortalecendo a segurança política das eleições, não alteram o sistema eleitoral em sentido estrito. Dessa forma, pode-se afirmar que ele se encontra entranhado na cultura política nacional e sua eventual mudança constitui decisão de imenso relevo, que só o Congresso Nacional pode realizar.
Esse contexto reforça a importância dos trabalhos da Comissão de Reforma do Código Eleitoral, para cujo êxito toda a sociedade brasileira é convocada: conclamamos todos os cidadãos e cidadãs interessadas no aperfeiçoamento democrático da legislação eleitoral brasileira a participar das audiências públicas e acompanhar os trabalhos desta Comissão.
Ministro DIAS TOFFOLI
Presidente da Comissão
Fonte: Agência Senado
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