O exercício do direito por si só, não autoriza abuso
Por Walker Sales Silva Jacinto
Para coibir atos maliciosos que em nome do “exercício de um direito” encontrava guarida numa omissão legislativa, foi positivada a Teoria do Abuso de Direito. Conhecido na jurisprudência estrangeira, desde 1855, verifica-se expressamente no Brasil, no Código de Defesa do Consumidor (art. 28), no Código Civil de 2002 (arts. 187 c/c 927), na Constituição Federal de 1988 (arts. 3º, I), e implicitamente nos artigos 110, 112, 129, 138, 145, 147, 148 do nosso Código Civil.
Em suma, trata-se de atos realizados sob a máscara de uma aparente licitude que ocultam uma intenção ilícita por contrariar a boa-fé, bons costumes, fins econômicos e social do ato, ou nas palavras de Eduardo Jordão: “o abuso de direito é um ato ilícito porque contraria o dever de boa-fé imposto por uma norma do sistema jurídico, o princípio da boa-fé”[1].
O primeiro caso de abuso de direito é considerado por muitos como o famoso affaire de la fausse cheminée apreciado na França de 1855, pelo qual um cidadão, nos limites de sua propriedade, alegando exercício de um direito, ergue uma chaminé enorme e falsa. Ou seja, não havia liberação de fumaça, nem benefício sequer, visava apenas tapar a janela principal do vizinho, para lhe cercear o acesso à luz e ao vento.
Surgi assim a famosa teoria do “abuso de direito” na França, para reprimir essas condutas maliciosas, que muitas vezes eram injustamente cometidos sob a guarda e permissão jurídica feitas “no exercício de direito”.
Abuso de direito e sua ilicitude
Conforme ensina Eduardo Ferreira Jordão: “o abuso de direito é um ato ilícito porque contraria o dever de boa-fé imposto por uma norma do sistema jurídico, o princípio da boa-fé”[2].
O exercício de um direito por si só, não autoriza a exercê-lo com abuso (princípio da boa-fé objetiva).
Sobre a identificação de um ato em abuso preleciona Eduardo Jordão:
“O ato abusivo é, assim, o ato ilícito perpetrado sob aparente titularidade de direito, ou, destrinchando este conceito, é o ilícito que, embora aparentemente tenha sido perpetrado no exercício de um direito, viola princípios gerais limitadores dos direitos subjetivos.”[3]
Aparente conflito entre os artigos 178 e 927 com o artigo 188, todos do Código Civil de 2002
Citados dispositivos legais se harmonizam conforme observa-se na seguinte interpretação sistemática:
a) Aquele que por ação ou omissão voluntário, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (art.186 CC/02) e por conseqüência deve repará-lo (art. 927 CC/02);
b) Entretanto, se tal ato foi praticado no exercício regular de direito ou em legítima defesa, nesse caso não será considerado ilícito, não se falando em indenização. (art.188 CC/02);
c) Porém se esse exercício regular de direito excedeu manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes deve ser considerado ilícito e ser indenizado (art. 187 CC/02).
Pode-se identificar a boa-fé em diversos dispositivos constitucionais dentre os quais o artigo1º, III, artigo 3º, I, artigo 4º, VI e VII, todos da CF de 1988. Na esfera infraconstitucional denota-se a boa-fé implicitamente nos artigos 110, 112, 129, 138, 145, 147, 148, todos do CC/02.
Matéria de ordem pública
É importante observar que o abuso de direito, previsto no artigo 187 c/c 927 ambos do Código Civil de 2002, sendo, portanto, matéria de ordem pública, visto que previsto em lei, tendo caráter cogente e consequentemente deve ser conhecido de ofício pelo juiz.
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Caso o magistrado, em um caso concreto, não se manifeste a respeito do mesmo em sua sentença, pode-se inquiri-lo a fazê-lo através de Embargos de Declaração ou para evitar maiores delongas remeter à análise diretamente ao tribunal, conforme dispõe o Código de Processo Civil em seu artigo 515.
Nesse sentido, preleciona Fredie Didier Jr:
“A devolução permitida pelo parágrafo 1º do artigo 515 do CPC refere-se a questões suscitadas e discutidas no processo, mas que não foram abordadas na sentença, total ou parcialmente. Nesse caso, caberia ao interessado a interposição de embargos de declaração, ao fito de suprimir a omissão incorrida pelo julgador, ou, para evitar maiores delongas, já intentar seu recurso de apelação, incluindo a matéria, cuja apreciação pode e deve ser feita pelo tribunal”[4]
Assim, caso as partes não suscitem a apreciação do abuso do direito, nos termos do artigo 515, parágrafo 1º, CPC, pode o magistrado conhecê-lo de ofício por tratar-se de matéria de ordem pública.
O abuso de direito, expressamente no artigo 187 c/c 927, ambos do Código Civil de 2002, e no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor deve ser analisada e tutelada pelo Poder Judiciário para cumprir o preceito constitucional entabulado no artigo 5º CF/88, in verbo: (...) “XXXV — a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
O exercício regular do direito e sua relatividade
Vale mencionar que já decidiu o STF, que mesmo os princípios e garantias fundamentais não são absolutos, ao analisar caso de violação de correspondência (art. 5º, XII, CF/88) pelos diretores de presídios, assim se manifestando: “Os direitos e garantias fundamentais não podem ser usados como salvaguardas de atividades ilícitas”:
“Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal pela possibilidade excepcional de interceptação de carta de presidiário pela administração penitenciária, entendendo que a ‘inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas”[5] [6]
Assim, fica evidente que o exercício regular de direito não é absoluto, visto que nem mesmo as liberdades individuais o são.
Conclusão
O sistema normativo deve ser visto como um todo, assim como os direitos subjetivos devem ser analisados e contrastados com seus limites.
Os direitos subjetivos têm as limitações que lhe impõe o sistema jurídico.
Assim, surge no direito estrangeiro e posteriormente na justiça pátria o “abuso do direito”, que na verdade seria um uso irregular de um suposto direito que por ser praticado com ofensa a boa-fé perde seu caráter de direito e torna-se ilícito.
Quanto à extensão e aplicação convêm mencionar que a citada teoria é aplicável em vários campos do direito, pois é exigível o bom comportamento, boa-fé, lealdade no convívio e mesmo nos litígios (vide art. 17, 18 CPC – litigância de má-fé) no direito civil, bem como nas relações de direito administrativo (nos tratos da administração pública com seus administrados ou servidores e vice-versa), direito penal, direito previdenciário, eleitoral, consumerista, enfim todos os ramos do direito incluindo-se o direito constitucional.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2009-nov-26/exercicio-direito-si-nao-autoriza-exerce-lo-abuso
Por Walker Sales Silva Jacinto
Para coibir atos maliciosos que em nome do “exercício de um direito” encontrava guarida numa omissão legislativa, foi positivada a Teoria do Abuso de Direito. Conhecido na jurisprudência estrangeira, desde 1855, verifica-se expressamente no Brasil, no Código de Defesa do Consumidor (art. 28), no Código Civil de 2002 (arts. 187 c/c 927), na Constituição Federal de 1988 (arts. 3º, I), e implicitamente nos artigos 110, 112, 129, 138, 145, 147, 148 do nosso Código Civil.
Em suma, trata-se de atos realizados sob a máscara de uma aparente licitude que ocultam uma intenção ilícita por contrariar a boa-fé, bons costumes, fins econômicos e social do ato, ou nas palavras de Eduardo Jordão: “o abuso de direito é um ato ilícito porque contraria o dever de boa-fé imposto por uma norma do sistema jurídico, o princípio da boa-fé”[1].
O primeiro caso de abuso de direito é considerado por muitos como o famoso affaire de la fausse cheminée apreciado na França de 1855, pelo qual um cidadão, nos limites de sua propriedade, alegando exercício de um direito, ergue uma chaminé enorme e falsa. Ou seja, não havia liberação de fumaça, nem benefício sequer, visava apenas tapar a janela principal do vizinho, para lhe cercear o acesso à luz e ao vento.
Surgi assim a famosa teoria do “abuso de direito” na França, para reprimir essas condutas maliciosas, que muitas vezes eram injustamente cometidos sob a guarda e permissão jurídica feitas “no exercício de direito”.
Abuso de direito e sua ilicitude
Conforme ensina Eduardo Ferreira Jordão: “o abuso de direito é um ato ilícito porque contraria o dever de boa-fé imposto por uma norma do sistema jurídico, o princípio da boa-fé”[2].
O exercício de um direito por si só, não autoriza a exercê-lo com abuso (princípio da boa-fé objetiva).
Sobre a identificação de um ato em abuso preleciona Eduardo Jordão:
“O ato abusivo é, assim, o ato ilícito perpetrado sob aparente titularidade de direito, ou, destrinchando este conceito, é o ilícito que, embora aparentemente tenha sido perpetrado no exercício de um direito, viola princípios gerais limitadores dos direitos subjetivos.”[3]
Aparente conflito entre os artigos 178 e 927 com o artigo 188, todos do Código Civil de 2002
Citados dispositivos legais se harmonizam conforme observa-se na seguinte interpretação sistemática:
a) Aquele que por ação ou omissão voluntário, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (art.186 CC/02) e por conseqüência deve repará-lo (art. 927 CC/02);
b) Entretanto, se tal ato foi praticado no exercício regular de direito ou em legítima defesa, nesse caso não será considerado ilícito, não se falando em indenização. (art.188 CC/02);
c) Porém se esse exercício regular de direito excedeu manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes deve ser considerado ilícito e ser indenizado (art. 187 CC/02).
Pode-se identificar a boa-fé em diversos dispositivos constitucionais dentre os quais o artigo1º, III, artigo 3º, I, artigo 4º, VI e VII, todos da CF de 1988. Na esfera infraconstitucional denota-se a boa-fé implicitamente nos artigos 110, 112, 129, 138, 145, 147, 148, todos do CC/02.
Matéria de ordem pública
É importante observar que o abuso de direito, previsto no artigo 187 c/c 927 ambos do Código Civil de 2002, sendo, portanto, matéria de ordem pública, visto que previsto em lei, tendo caráter cogente e consequentemente deve ser conhecido de ofício pelo juiz.
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Caso o magistrado, em um caso concreto, não se manifeste a respeito do mesmo em sua sentença, pode-se inquiri-lo a fazê-lo através de Embargos de Declaração ou para evitar maiores delongas remeter à análise diretamente ao tribunal, conforme dispõe o Código de Processo Civil em seu artigo 515.
Nesse sentido, preleciona Fredie Didier Jr:
“A devolução permitida pelo parágrafo 1º do artigo 515 do CPC refere-se a questões suscitadas e discutidas no processo, mas que não foram abordadas na sentença, total ou parcialmente. Nesse caso, caberia ao interessado a interposição de embargos de declaração, ao fito de suprimir a omissão incorrida pelo julgador, ou, para evitar maiores delongas, já intentar seu recurso de apelação, incluindo a matéria, cuja apreciação pode e deve ser feita pelo tribunal”[4]
Assim, caso as partes não suscitem a apreciação do abuso do direito, nos termos do artigo 515, parágrafo 1º, CPC, pode o magistrado conhecê-lo de ofício por tratar-se de matéria de ordem pública.
O abuso de direito, expressamente no artigo 187 c/c 927, ambos do Código Civil de 2002, e no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor deve ser analisada e tutelada pelo Poder Judiciário para cumprir o preceito constitucional entabulado no artigo 5º CF/88, in verbo: (...) “XXXV — a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
O exercício regular do direito e sua relatividade
Vale mencionar que já decidiu o STF, que mesmo os princípios e garantias fundamentais não são absolutos, ao analisar caso de violação de correspondência (art. 5º, XII, CF/88) pelos diretores de presídios, assim se manifestando: “Os direitos e garantias fundamentais não podem ser usados como salvaguardas de atividades ilícitas”:
“Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal pela possibilidade excepcional de interceptação de carta de presidiário pela administração penitenciária, entendendo que a ‘inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas”[5] [6]
Assim, fica evidente que o exercício regular de direito não é absoluto, visto que nem mesmo as liberdades individuais o são.
Conclusão
O sistema normativo deve ser visto como um todo, assim como os direitos subjetivos devem ser analisados e contrastados com seus limites.
Os direitos subjetivos têm as limitações que lhe impõe o sistema jurídico.
Assim, surge no direito estrangeiro e posteriormente na justiça pátria o “abuso do direito”, que na verdade seria um uso irregular de um suposto direito que por ser praticado com ofensa a boa-fé perde seu caráter de direito e torna-se ilícito.
Quanto à extensão e aplicação convêm mencionar que a citada teoria é aplicável em vários campos do direito, pois é exigível o bom comportamento, boa-fé, lealdade no convívio e mesmo nos litígios (vide art. 17, 18 CPC – litigância de má-fé) no direito civil, bem como nas relações de direito administrativo (nos tratos da administração pública com seus administrados ou servidores e vice-versa), direito penal, direito previdenciário, eleitoral, consumerista, enfim todos os ramos do direito incluindo-se o direito constitucional.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2009-nov-26/exercicio-direito-si-nao-autoriza-exerce-lo-abuso
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